quarta-feira, 14 de julho de 2010

LÍNGUA MATERNA, LÍNGUA ESTRANGEIRA, LÍNGUA SEGUNDA

Apresentamos nesta contribuição um curto ensaio sobre a diferença entre os termos língua materna, língua segunda e língua estrangeira quanto ao ensino-aprendizagem de línguas. Nesse há uma vasta discussão acerca da nomenclatura quanto ao ensino das línguas como língua materna, língua segunda, língua estrangeira, língua primeira, língua terceira, língua primitiva, etc. Para os envolvidos no ensino-aprendizagem de línguas – professores, aprendentes, produtores de materiais – entender a abordagem de como a língua é ensinada torna-se um aspecto importante tanto para o enfoque em sala de aula, como para a elaboração de materiais didáticos, quanto para a abordagem linguística, linguageira, cultural, intercultural, sócio-discursiva, entre outras. É importante considerar, também, as características do aprendente – dependente da sua situação diante da língua, se estrangeiro ou nativo ou envolvido em uma sociedade que não primeiramente é a sua como é o caso dos indígenas no Brasil, por exemplo – que são primordiais para a elaboração de um currículo adequado. A esse ambiente, conforme Mezzadri (2003) Brown (1993) e Balboni (1999) chamamos de processo de aprendizagem linguística. Diante desse processo, percebemos a necessidade de uma taxonomia adequada para determinar a situação do ensino de línguas.
Tanto linguistas, quanto profissionais do campo do ensino-aprendizagem de línguas se confrontam frequentemente com os conceitos língua materna, língua segunda e língua estrangeira, muitas vezes sem se dar conta das peculiaridades que cada termo tem. A esses, conforme Spinassé (2006) estão relacionados outros conceitos e pressupostos, como o próprio conceito de língua e a reflexão metodológica do ensino de uma língua.
Com base no Nocionário de Didática das Línguas organizado por Balboni (1999) a língua materna é aquela cuja pessoa pensa por si mesma e é expressa de maneira não controlada em algumas situações, entre as quais, por exemplo, em momentos de ira ou de perigo. Na Itália, a língua "materna" significa quase sempre língua "nacional". No caso daquele país, muitos cidadãos consideram o dialeto sua língua materna em contraposição à língua estrangeira. Ainda segundo o Nocionário, em outras partes do globo a língua "materna" significa língua nacional pelos falantes crescidos nessa nação, e língua "étnica" pelos imigrantes. No Dicionário de didática do francês língua estrangeira e segunda , organizado por Cuq (2003), o verbete não trata do conceito de língua materna de maneira tão simplória. A princípio, a língua materna é entendida como aquela que a criança aprende com a mãe. Mas, nem sempre isso era possível, de maneira geral, nem todas as crianças eram educadas pelos pais.
Nas discussões do campo da didática das línguas, há toda uma complexidade ao definir tanto língua materna quanto língua estrangeira, que gerou com isso essa dicotomia [materno/estrangeiro]. Com base em Spinassé (2006) o conceito “Língua Materna” é tratado como uma denominação um tanto óbvia. Esse deve ser de fácil compreensão que os outros, porém pouco se encontram definições para o termo. Uma concepção é citada pela autora resgatando a pesquisa de Mues (1970 apud SPINASSÉ, 2006) na obra Língua: o que é isso? : “A língua materna é a língua que cada ser humano aprende como primeira e, por isso, é o fundamento de sua formação quanto homem” . Apesar de uma definição cheia de lacunas, ela apresenta dois aspectos importantes: a justaposição com o conceito “Primeira Língua” e o fator identitário que carrega, ou seja, a pessoa se identifica de alguma forma com a língua materna. A aquisição de uma primeira língua ou da língua materna faz parte da formação do cidadão, pois junto à competência linguística se somam valores subjetivos e sociais também: a língua materna, a origem do falante e o uso diário.
Nesta pesquisa consideramos língua materna como o idioma que uma criança em uma determinada sociedade aprende em casa, na convivência com os pais e outros familiares; por isso, o termo materno, de maternidade. Entretanto, existem casos curiosos dos quais podemos citar como exemplo: Uma criança nascida em uma sociedade em que convivem duas línguas terá duas línguas maternas? Nossa experiência enquanto aplicador do exame CELPE-Bras nos proporcionou oportunidades de conhecer alguns estrangeiros candidatos a esse exame que são oriundos de países que possuem dois idiomas, por meio dos quais se podem estabelecer comunicação. Citamos o caso de um jovem, psicólogo, de 26 anos, moldávio , que nos relatou que em seu país se fala tanto russo, quanto romeno. Perguntado se ele tinha duas línguas maternas, ele respondeu que não, que a sua língua materna era o romeno, pois sua família se expressa por meio dessa. Questionado quanto à utilização da língua russa, o jovem respondeu que a língua russa era entendida, mas em outro contexto, nas ruas, nos bares, nas escolas. Ou seja, para esse jovem a língua materna era o romeno e a língua russa era sua língua segunda.
Quanto ao conceito de língua segunda, em consonância com Balboni (1995), consideramos essa quando é ensinada a falantes não-nativos e é ensinada onde ela [a língua segunda] faz parte do contexto situacional de comunicação. A aprendizagem de um idioma como língua segunda se dá diferentemente da língua estrangeira. Conforme Amato (2005) e Balboni (1995) uma língua é estudada como segunda no país onde essa é falada pelos seus falantes nativos. Por exemplo, um brasileiro que vai à Itália para aprender italiano, estudará esse idioma como língua segunda, ou seja, estará imerso na língua, encontrará facilmente falantes para exercitar o que está sendo adquirido de modo formal na escola e estará envolvido com a língua-alvo, onde essa é a língua do contexto situacional de comunicação.
Quanto à língua estrangeira, o Nocionário de didática de línguas traz uma definição quanto a esse conceito. Segundo o texto o adjetivo "estrangeiro" indica uma língua que é estudada em uma região cuja essa não está presente, ao contrário da língua "segunda" que está presente. Com isso, o inglês que é estudado no Brasil é estrangeiro, assim como o alemão que é estudado na Rússia, um brasileiro que aprende italiano em Belém do Pará, aprenderá italiano como língua estrangeira, ou seja, fora da área onde esse idioma é falado. Enquanto é "língua segunda" o inglês que é estudado por um brasileiro na Inglaterra, por exemplo. Diferente da língua segunda, o input linguístico – ou estímulo – na língua estrangeira é fornecido (diretamente ou com tecnologia didática) pelo docente. Muitas atividades didáticas, consequentemente, podem parecer falsas do ponto de vista pragmático, pois, se deve usar uma língua estranha entre dois falantes que ao contrário tem outra língua, frequentemente a língua materna em comum.
Ao considerar tais aspectos que distinguem língua estrangeira de língua segunda, Leffa (1988, p. 212) nos esclarece de modo bastante lúcido tal diferença:
temos o estudo de uma segunda língua no caso em que a língua estudada é usada fora da sala de aula em que vive o aluno (exemplo: situação do aluno brasileiro que foi estudar francês na França). Temos língua estrangeira quando a comunidade não usa a língua estudada na sala de aula (exemplo: situação do aluno que estuda inglês no Brasil).

Temos diante dessa discussão, as concepções de língua estrangeira e língua segunda, outras variedades de classificações no EAL e, não é tão simples uma generalização por parte dos trabalhos na área da Didática das Línguas por parte dos pesquisadores (ALMEIDA FILHO e CUNHA, 2007). Dessa maneira, podemos considerar como língua segunda o idioma que o aprendente ou novo falante considera como a segunda língua em uso. Podemos usar nosso caso como exemplo: temos como língua materna o português e como língua segunda o italiano, que é utilizado nas pesquisas desenvolvidas na graduação e na pós-graduação, na conversação com amigos nativos ou não desse idioma, além da literatura e da música. E ainda incluiríamos nesse nosso caso o alemão, pois esse foi o idioma estudado com finalidade de ensino e didática durante nossa graduação e é utilizado para leituras de didática e filosofia que fazemos, além da elaboração de aulas para o ensino dessa língua. Com isso, consideramos essa língua como a nossa língua terceira, com base no uso que fazemos dos idiomas exposto neste trabalho.
Apresentamos acima a dificuldade existente em classificar o que é língua estrangeira e língua segunda. Mas, acreditamos que com a exposição dos termos, já estamos cientes do que cada categoria de ensino representa.
Em virtude da complexidade em definir língua, materna, língua segunda e língua estrangeiras, optamos nesta pesquisa em tratar o ensino do português língua estrangeira (PLE) como português para estrangeiros e, não como português como língua estrangeira ou português como língua segunda. Ao tomarmos esse posicionamento, consideramos adequada a classificação adotada. Pois, nosso trabalho no curso de Mestrado em Letras na Universidade Federal do Pará não trata do português para indígenas, por exemplo. Tratamos do português para estrangeiros (PE) em situação de ensino-aprendizagem do português dentro do Brasil (Português como língua segunda) ou fora do país (Português como língua estrangeira) em suas dimensões escrita e oral. Ou seja, o português corrente do Brasil para falantes de outras línguas, cidadãos de outras origens e nações.
É necessário esclarecer no campo do ensino-aprendizagem de línguas diferenças baseadas em aspectos quanto à taxonomia ‘língua estrangeira, ‘segunda língua’ e língua não materna’. Nessa perspectiva entende-se a língua o objeto de aprendizagem em uma fase posterior a primeira língua.
Além dessas taxonomias, existem outros termos que ainda não estão claros no campo do ensino-aprendizagem de línguas para muitos professores de línguas.
Entre estes outros termos podemos tratar do conceito de língua étnica. A língua étnica constitui um caso distinto do conceito de língua estrangeira. A expressão “língua étnica” descreve o ensino da língua a uma pessoa na qual esta não é seu idioma materno. Ma é utilizado no ambiente familiar ou na sua comunidade cultural de referência. É o caso do ensino do português para filhos e/ou netos de brasileiros que moram no exterior.
A principal problemática da didática da língua étnica consiste em um ensino de gírias ou de uma vertente – ou falar regional – que foge do ensino de uma língua padrão. Paralelamente se encontra entre os objetivos de ensino da língua étnica também a necessidade de apresentar um país contemporâneo, para contrapor a visão superada da geração anterior que deixou, neste caso, o país de origem. Um problema secundário está em nível motivacional. Alguns alunos – geralmente adolescentes – preferem frequentemente evitar em ser associado à comunidade étnica não dominante em alguns países. Enquanto que em outros países as novas gerações se orgulham em conhecer a língua dos seus ancestrais.
Outra classificação de línguas é o conceito de língua de contato. A expressão línguas em contato foi introduzida nos estudos sociolinguísticos de Weinreich (1974) para se referir a línguas faladas alternadamente por um mesmo indivíduo que constitui assim o lugar de contato entre as línguas em uma perspectiva cujo plurilinguismo é considerado um fato comum. Podemos citar como exemplos de línguas em contato o caso das fronteiras brasileiras com os outros países do continente, onde o português convive com o espanhol no Rio Grande do Sul.
Por fim, esperamos poder ter contribuído de alguma maneira com a reflexão quanto ao ensino de línguas, mesmo que esta contribuição tenha sido de maneira sucinta.

REFERÊNCIAS
BALBONI, Paolo Emilio (Org.). Nozionario di Glottodidattica. Disponível in: www.unive.it/alias. Acesso em mar 2009.
CUQ (Org.), Jean-Pierre. Dictionnaire de didactique du français langue étrangère et seconde. Paris : ASDIFLE/CLE International, 2003.
DIADORI, Pierangela; PALERMO, Massimo; TRONCARELLI, Donatella. Manuale di didattica dell'italiano L2. Perugia (Itália): Guerra Edizioni, 2009.
PICHIASSI, Mauro. Fondamenti di Glottodidattica. Perugia (Itália): Guerra Edizioni, 2000.
SPINASSÉ, Karen Pupp. Os conceitos de língua materna, segunda língua e língua estrangeira e os falantes de línguas alóctones minoritárias no sul do Brasil. In: Revista contingentia, V. 1, N. 1, Nov. 2006, p.01-10.

ماركوس رييس
Marcos Reis
Belém, 14 de julho de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário