quinta-feira, 15 de julho de 2010

quarta-feira, 14 de julho de 2010

LÍNGUA MATERNA, LÍNGUA ESTRANGEIRA, LÍNGUA SEGUNDA

Apresentamos nesta contribuição um curto ensaio sobre a diferença entre os termos língua materna, língua segunda e língua estrangeira quanto ao ensino-aprendizagem de línguas. Nesse há uma vasta discussão acerca da nomenclatura quanto ao ensino das línguas como língua materna, língua segunda, língua estrangeira, língua primeira, língua terceira, língua primitiva, etc. Para os envolvidos no ensino-aprendizagem de línguas – professores, aprendentes, produtores de materiais – entender a abordagem de como a língua é ensinada torna-se um aspecto importante tanto para o enfoque em sala de aula, como para a elaboração de materiais didáticos, quanto para a abordagem linguística, linguageira, cultural, intercultural, sócio-discursiva, entre outras. É importante considerar, também, as características do aprendente – dependente da sua situação diante da língua, se estrangeiro ou nativo ou envolvido em uma sociedade que não primeiramente é a sua como é o caso dos indígenas no Brasil, por exemplo – que são primordiais para a elaboração de um currículo adequado. A esse ambiente, conforme Mezzadri (2003) Brown (1993) e Balboni (1999) chamamos de processo de aprendizagem linguística. Diante desse processo, percebemos a necessidade de uma taxonomia adequada para determinar a situação do ensino de línguas.
Tanto linguistas, quanto profissionais do campo do ensino-aprendizagem de línguas se confrontam frequentemente com os conceitos língua materna, língua segunda e língua estrangeira, muitas vezes sem se dar conta das peculiaridades que cada termo tem. A esses, conforme Spinassé (2006) estão relacionados outros conceitos e pressupostos, como o próprio conceito de língua e a reflexão metodológica do ensino de uma língua.
Com base no Nocionário de Didática das Línguas organizado por Balboni (1999) a língua materna é aquela cuja pessoa pensa por si mesma e é expressa de maneira não controlada em algumas situações, entre as quais, por exemplo, em momentos de ira ou de perigo. Na Itália, a língua "materna" significa quase sempre língua "nacional". No caso daquele país, muitos cidadãos consideram o dialeto sua língua materna em contraposição à língua estrangeira. Ainda segundo o Nocionário, em outras partes do globo a língua "materna" significa língua nacional pelos falantes crescidos nessa nação, e língua "étnica" pelos imigrantes. No Dicionário de didática do francês língua estrangeira e segunda , organizado por Cuq (2003), o verbete não trata do conceito de língua materna de maneira tão simplória. A princípio, a língua materna é entendida como aquela que a criança aprende com a mãe. Mas, nem sempre isso era possível, de maneira geral, nem todas as crianças eram educadas pelos pais.
Nas discussões do campo da didática das línguas, há toda uma complexidade ao definir tanto língua materna quanto língua estrangeira, que gerou com isso essa dicotomia [materno/estrangeiro]. Com base em Spinassé (2006) o conceito “Língua Materna” é tratado como uma denominação um tanto óbvia. Esse deve ser de fácil compreensão que os outros, porém pouco se encontram definições para o termo. Uma concepção é citada pela autora resgatando a pesquisa de Mues (1970 apud SPINASSÉ, 2006) na obra Língua: o que é isso? : “A língua materna é a língua que cada ser humano aprende como primeira e, por isso, é o fundamento de sua formação quanto homem” . Apesar de uma definição cheia de lacunas, ela apresenta dois aspectos importantes: a justaposição com o conceito “Primeira Língua” e o fator identitário que carrega, ou seja, a pessoa se identifica de alguma forma com a língua materna. A aquisição de uma primeira língua ou da língua materna faz parte da formação do cidadão, pois junto à competência linguística se somam valores subjetivos e sociais também: a língua materna, a origem do falante e o uso diário.
Nesta pesquisa consideramos língua materna como o idioma que uma criança em uma determinada sociedade aprende em casa, na convivência com os pais e outros familiares; por isso, o termo materno, de maternidade. Entretanto, existem casos curiosos dos quais podemos citar como exemplo: Uma criança nascida em uma sociedade em que convivem duas línguas terá duas línguas maternas? Nossa experiência enquanto aplicador do exame CELPE-Bras nos proporcionou oportunidades de conhecer alguns estrangeiros candidatos a esse exame que são oriundos de países que possuem dois idiomas, por meio dos quais se podem estabelecer comunicação. Citamos o caso de um jovem, psicólogo, de 26 anos, moldávio , que nos relatou que em seu país se fala tanto russo, quanto romeno. Perguntado se ele tinha duas línguas maternas, ele respondeu que não, que a sua língua materna era o romeno, pois sua família se expressa por meio dessa. Questionado quanto à utilização da língua russa, o jovem respondeu que a língua russa era entendida, mas em outro contexto, nas ruas, nos bares, nas escolas. Ou seja, para esse jovem a língua materna era o romeno e a língua russa era sua língua segunda.
Quanto ao conceito de língua segunda, em consonância com Balboni (1995), consideramos essa quando é ensinada a falantes não-nativos e é ensinada onde ela [a língua segunda] faz parte do contexto situacional de comunicação. A aprendizagem de um idioma como língua segunda se dá diferentemente da língua estrangeira. Conforme Amato (2005) e Balboni (1995) uma língua é estudada como segunda no país onde essa é falada pelos seus falantes nativos. Por exemplo, um brasileiro que vai à Itália para aprender italiano, estudará esse idioma como língua segunda, ou seja, estará imerso na língua, encontrará facilmente falantes para exercitar o que está sendo adquirido de modo formal na escola e estará envolvido com a língua-alvo, onde essa é a língua do contexto situacional de comunicação.
Quanto à língua estrangeira, o Nocionário de didática de línguas traz uma definição quanto a esse conceito. Segundo o texto o adjetivo "estrangeiro" indica uma língua que é estudada em uma região cuja essa não está presente, ao contrário da língua "segunda" que está presente. Com isso, o inglês que é estudado no Brasil é estrangeiro, assim como o alemão que é estudado na Rússia, um brasileiro que aprende italiano em Belém do Pará, aprenderá italiano como língua estrangeira, ou seja, fora da área onde esse idioma é falado. Enquanto é "língua segunda" o inglês que é estudado por um brasileiro na Inglaterra, por exemplo. Diferente da língua segunda, o input linguístico – ou estímulo – na língua estrangeira é fornecido (diretamente ou com tecnologia didática) pelo docente. Muitas atividades didáticas, consequentemente, podem parecer falsas do ponto de vista pragmático, pois, se deve usar uma língua estranha entre dois falantes que ao contrário tem outra língua, frequentemente a língua materna em comum.
Ao considerar tais aspectos que distinguem língua estrangeira de língua segunda, Leffa (1988, p. 212) nos esclarece de modo bastante lúcido tal diferença:
temos o estudo de uma segunda língua no caso em que a língua estudada é usada fora da sala de aula em que vive o aluno (exemplo: situação do aluno brasileiro que foi estudar francês na França). Temos língua estrangeira quando a comunidade não usa a língua estudada na sala de aula (exemplo: situação do aluno que estuda inglês no Brasil).

Temos diante dessa discussão, as concepções de língua estrangeira e língua segunda, outras variedades de classificações no EAL e, não é tão simples uma generalização por parte dos trabalhos na área da Didática das Línguas por parte dos pesquisadores (ALMEIDA FILHO e CUNHA, 2007). Dessa maneira, podemos considerar como língua segunda o idioma que o aprendente ou novo falante considera como a segunda língua em uso. Podemos usar nosso caso como exemplo: temos como língua materna o português e como língua segunda o italiano, que é utilizado nas pesquisas desenvolvidas na graduação e na pós-graduação, na conversação com amigos nativos ou não desse idioma, além da literatura e da música. E ainda incluiríamos nesse nosso caso o alemão, pois esse foi o idioma estudado com finalidade de ensino e didática durante nossa graduação e é utilizado para leituras de didática e filosofia que fazemos, além da elaboração de aulas para o ensino dessa língua. Com isso, consideramos essa língua como a nossa língua terceira, com base no uso que fazemos dos idiomas exposto neste trabalho.
Apresentamos acima a dificuldade existente em classificar o que é língua estrangeira e língua segunda. Mas, acreditamos que com a exposição dos termos, já estamos cientes do que cada categoria de ensino representa.
Em virtude da complexidade em definir língua, materna, língua segunda e língua estrangeiras, optamos nesta pesquisa em tratar o ensino do português língua estrangeira (PLE) como português para estrangeiros e, não como português como língua estrangeira ou português como língua segunda. Ao tomarmos esse posicionamento, consideramos adequada a classificação adotada. Pois, nosso trabalho no curso de Mestrado em Letras na Universidade Federal do Pará não trata do português para indígenas, por exemplo. Tratamos do português para estrangeiros (PE) em situação de ensino-aprendizagem do português dentro do Brasil (Português como língua segunda) ou fora do país (Português como língua estrangeira) em suas dimensões escrita e oral. Ou seja, o português corrente do Brasil para falantes de outras línguas, cidadãos de outras origens e nações.
É necessário esclarecer no campo do ensino-aprendizagem de línguas diferenças baseadas em aspectos quanto à taxonomia ‘língua estrangeira, ‘segunda língua’ e língua não materna’. Nessa perspectiva entende-se a língua o objeto de aprendizagem em uma fase posterior a primeira língua.
Além dessas taxonomias, existem outros termos que ainda não estão claros no campo do ensino-aprendizagem de línguas para muitos professores de línguas.
Entre estes outros termos podemos tratar do conceito de língua étnica. A língua étnica constitui um caso distinto do conceito de língua estrangeira. A expressão “língua étnica” descreve o ensino da língua a uma pessoa na qual esta não é seu idioma materno. Ma é utilizado no ambiente familiar ou na sua comunidade cultural de referência. É o caso do ensino do português para filhos e/ou netos de brasileiros que moram no exterior.
A principal problemática da didática da língua étnica consiste em um ensino de gírias ou de uma vertente – ou falar regional – que foge do ensino de uma língua padrão. Paralelamente se encontra entre os objetivos de ensino da língua étnica também a necessidade de apresentar um país contemporâneo, para contrapor a visão superada da geração anterior que deixou, neste caso, o país de origem. Um problema secundário está em nível motivacional. Alguns alunos – geralmente adolescentes – preferem frequentemente evitar em ser associado à comunidade étnica não dominante em alguns países. Enquanto que em outros países as novas gerações se orgulham em conhecer a língua dos seus ancestrais.
Outra classificação de línguas é o conceito de língua de contato. A expressão línguas em contato foi introduzida nos estudos sociolinguísticos de Weinreich (1974) para se referir a línguas faladas alternadamente por um mesmo indivíduo que constitui assim o lugar de contato entre as línguas em uma perspectiva cujo plurilinguismo é considerado um fato comum. Podemos citar como exemplos de línguas em contato o caso das fronteiras brasileiras com os outros países do continente, onde o português convive com o espanhol no Rio Grande do Sul.
Por fim, esperamos poder ter contribuído de alguma maneira com a reflexão quanto ao ensino de línguas, mesmo que esta contribuição tenha sido de maneira sucinta.

REFERÊNCIAS
BALBONI, Paolo Emilio (Org.). Nozionario di Glottodidattica. Disponível in: www.unive.it/alias. Acesso em mar 2009.
CUQ (Org.), Jean-Pierre. Dictionnaire de didactique du français langue étrangère et seconde. Paris : ASDIFLE/CLE International, 2003.
DIADORI, Pierangela; PALERMO, Massimo; TRONCARELLI, Donatella. Manuale di didattica dell'italiano L2. Perugia (Itália): Guerra Edizioni, 2009.
PICHIASSI, Mauro. Fondamenti di Glottodidattica. Perugia (Itália): Guerra Edizioni, 2000.
SPINASSÉ, Karen Pupp. Os conceitos de língua materna, segunda língua e língua estrangeira e os falantes de línguas alóctones minoritárias no sul do Brasil. In: Revista contingentia, V. 1, N. 1, Nov. 2006, p.01-10.

ماركوس رييس
Marcos Reis
Belém, 14 de julho de 2010.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

La cultura straniera come specchio della propria

La cultura straniera come specchio della propria
di Mario Rinvolucri

Un giapponese comprende il valore della pulizia nella propria cultura quando vede che Roma, Londra e Francoforte sono molto più sporche di Tokyo o Osaka.

Un italiano o un francese vanno a Helsinki e scoprono che i finlandesi parlano pochissimo. Il parigino o il romano imparano il proverbio finlandese: "Hai una bocca e due orecchie, usale in questa proporzione". Ed ecco che il latino, messo a confronto con il finlandese, si rende conto di appartenere a una cultura della loquacità, in cui si parla più di quanto non si ascolti.

La nostra cultura è il nostro stato di default. Molti dei suoi presupposti e dei suoi valori li consideriamo semplicemente "normali", comportamento razionale. È solo quando ci scontriamo con la realtà di un altro modo di fare che ci accorgiamo che ciò che noi facciamo e prendiamo per buono è relativo, non un tratto assoluto dell'essere umano.

Ma come usare la "cultura" nella classe di lingua?

Ecco un esercizio che potete proporre in classi mono e pluriculturali.

1. Dettate il brano seguente:

"Gli studenti devono fare il loro dovere di studenti. Saranno i futuri amministratori, soldati, uomini politici, insegnanti. Dovrebbero perciò cercare di dimostrarsi studenti ideali. Solo così potranno svolgere al meglio i ruoli cui saranno un giorno chiamati. Uno studente ideale è uno studente che sa cos'è la disciplina. Conosce il valore dell'autocontrollo e non si dedica ad attività sciocche e inutili. Usa la propria testa e non segue ciecamente gli altri. È obbediente e rispettoso, verso i genitori e gli insegnanti. Sa che non si devono sprecare i primi mesi dell'anno per poi cercare di rimediare studiando forsennatamente negli ultimi. Uno studente ideale studia con continuità e regolarità" (da Abdollah Baradaran, Mehdi Khadenzadeh, General English Through Reading, Iran).
2. Chiedete agli studenti di sottolineare le frasi che condividono e di barrare quelle che non condividono.

3. In gruppi di quattro gli studenti scambiano le proprie impressioni sul testo iraniano.

4. Se avete una classe pluriculturale, formate gruppi culturalmente omogenei in modo da far emergere il profilo dello studente ideale in quella specifica cultura. Spiegate che devono esprimere, in 7-10 frasi, i punti di vista tipici della propria cultura, non le loro opinioni personali. In una classe monoculturale chiedete ai gruppi di tracciare il profilo dello studente ideale, sempre in 7-10 frasi, privilegiando i tratti più generalmente condivisi.

5. Ogni gruppo legge il profilo che ha scritto.

Nella mia esperienza gli studenti prima reagiscono alle nette prese di posizione del testo iraniano e solo dopo esprimono le loro opinioni sulla questione. È questo che intendo quando parlo di usare una cultura straniera come specchio della propria. Sfidando i nostri valori, la cultura straniera ci obbliga a rendere esplicite le nostre convinzioni implicite.

Gli esercizi fisici sono a volte utilissimi per arrivare a intendere in modo chiaro i concetti culturali. Prendiamo un concetto chiave della cultura italiana, il "menefreghismo", e proviamo a farlo comprendere più a fondo grazie alla dimensione corporea.

1. Formate gruppi di 4-5 studenti.

2. Dite che avranno 10 minuti per realizzare "statue" del menefreghismo usando il loro corpo. Tutti gli studenti di ogni gruppo vanno a comporre la statua, assumendo posizioni che devono essere in grado di mantenere per 20 secondi. I "quadri viventi" così creati serviranno a illustrare i vari aspetti del menefreghismo. Girate fra i gruppi e se è il caso date una mano.
3. Chiedete a un primo gruppo di andare al centro e mettersi in posizione. Gli altri osservano, possono fare commenti e chiedere agli "studenti-statua" di spiegare cosa intendevano rappresentare.

4. Gli altri gruppi presentano le loro statue.

5. Segue una sessione plenaria sul senso del menefreghismo nel contesto più ampio della cultura italiana.

Se proponete questa attività, per esempio, a studenti di italiano giapponesi, sperimenteranno fisicamente una realtà culturale lontanissima dai loro ideali di dovere, di dedizione, di forza e coraggio (gambatte). Usando la drammatizzazione per entrare nel vivo di un'altra cultura gli studenti imparano molto della propria.

Una cosa che mi sorprende nell'insegnamento linguistico è come molti manuali ignorino i concetti antropologici propri della cultura studiata, anche quando sono di grande interesse umano e, come spesso accade, assai più avvincenti degli aspetti grammaticali e lessicali della lingua bersaglio.

A volte penso che gli insegnanti di lingue si fanno sfuggire una grande opportunità se non insegnano la cultura.


(Traduzione di Leonardo Gandi)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

CULTURA NO ENSINO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA: QUE CULTURA ABORDAR?

Marcos dos REIS BATISTA
Universidade Federal do Pará


RESUMO: No campo do ensino-aprendizagem de línguas é incontestável o binômio língua-cultura. Muito se escreve e se debate sobre essa intrínseca relação, seja no Quadro Europeu Comum de Referências para o Ensino de Línguas (Conselho de Europa, 2001), seja nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) o elemento cultural está em evidencia. Além disso, é importante destacar que hoje, os manuais para o ensino de idiomas não se preocupam apenas com o enfoque “lingüístico”, mas o “cultural” a cada edição é colocado como ponto importante no ensino-aprendizagem. Quando falamos de ensino de línguas, não faz sentido falarmos de uma coisa abstrata. Não significa aprender somente regras e construções e, então, não é só o instrumento lingüístico que deve interessar àqueles que estudam. Para Serragiotto (2007) uma pessoa que possui um instrumento lingüístico, deve também contextualizá-lo e então considerar a cultura onde tal instrumento é usado. Isso porque língua e cultura estão sempre se influenciando. Quando pensamos numa língua, pensamos num instrumento usado por um povo para representar si mesmo, então por traz existe uma cultura que suporta tal instrumento. Neste panorama, pergunta-se: mas, que cultura ensinar? Ensina-se ou facilita-se a conhecer a cultura-meta?

INTRODUÇÃO

Neste trabalho são apresentadas algumas considerações sobre o papel e que cultura abordar no ensino do português brasileiro como língua estrangeira/língua segunda (PBLE).
A missão desta contribuição não é de oferecer uma resposta pronta para o docente seguir esta ou aquela abordagem e, sim, mostrar um panorama - ainda que sucinto - dos diversos conceitos de culturas. E vale lembrar que não abre-se mão aqui de deixar de lado o estereotipo que não colabora em nada com o ensino de uma nova língua. O estereotipo deve sim, ser analisado para uma formação crítica, tanto do professor quanto do aprendente de PBLE. Neste contexto, uma reflexão mais ampla do objeto cultura levará ambos a uma visão mais atual diante do mundo que temos hoje, com sua hibridação e globalização pertinentes na atualidade.
Na primeira parte são apresentados alguns conceitos de cultura, algumas definições (Cultura entendida como riqueza acadêmica versus cultura popular; cultura como um sistema de símbolos; cultura como processo social e cultura na visão de dois grandes teóricos dos estudos antropológicos) segundo o trabalho de Lafuente (2008). Parte-se de uma visão reducionista para uma visão mais crítica de realidade que o mundo globalizado e caótico hoje se mostra. Depois, são apresentadas algumas considerações sobre o binômio língua-cultura que a cada dia se mostra mais evidente nos trabalhos do campo da Lingüística Aplicada, conforme Serragiotto (2007). Na seção seguinte será tratada a presença da cultura no ensino de línguas e, por fim, chegamos a uma curta consideração final sobre qual caminho o docente deve/pode seguir ao tratar de cultura no ensino de PBLE.

CONCEITO DE CULTURA E DEFINIÇÕES DE CULTURA

Em um sentido ou em outro, tudo o que está relacionado com a educação está relacionado com a cultura, sua aquisição, sua transmissão e sua dinamicidade. A cultura está na nossa sociedade, ou seja, em nós mesmos. Está nos níveis pessoal, familiar, profissional, afetivo, entre outros. As considerações apresentadas aqui estão baseadas no texto de Lafuente (2008) .
Para Banks (apud Lafuente, 2008) a cultura é um termo extremamente difícil de definir. Não nos damos conta de que estamos imersos nele. Segundo Mezzadri, nossa dificuldade de perceber a nossa cultura é comparada à água e ao peixe que está nela. Este deve sair de sua água para poder entendê-la, assim o homem deve sai do seu meio cultural e procurar desenvolver um olhar de fora para buscar o entendimento desse objeto de estudo. Poderíamos dizer que é uma sedimentação da experiência histórica das pessoas e dos múltiplos grupos sociais sejam de caráter familiar, étnico, racial, genérico ou de status social. Segundo Kramsch (apud Lafuente, 2008) cada país tem sua própria cultura política e histórica, estilos intelectuais próprios, medos sociais, esperanças, orgulhos, significados e valores unidos a sua língua, sua cultura e sua historia. Brislin (1990) identifica como membros de uma mesma sociedade àqueles que aceitam e compartilham, consciente e inconscientemente, as mesmas idéias, valores e pressuposições sobre a vida.
Nesta perspectiva, a cultura se forma através da aprendizagem e do ensino cotidiano em todas as circunstâncias em que se desenvolve a vida humana. O processo de aquisição da cultura começa desde o nascimento e se estende por toda a vida – não é a toa que ouvimos de pessoas mais velhas a expressão: na minha época não era assim... ou na minha época era assim.... Durante este tempo o indivíduo estabelece diferenças entre os muitos aspectos de sua cultura, alguns se mantém e outros são modificados. Hutchinson (apud Lafuente, 2008) afirma que se uma pessoa é colocada em um grupo concreto e observada depois, ela exibirá um comportamento que não pode ser distinguido ou diferenciado daquele que constitui a cultura do grupo em que se desenvolveu. De fato, se este indivíduo muda em segundo grupo portador de uma cultura diferente, então seu comportamento seria distinguível daquele que constitui sua primeira cultura.

CULTURA ENTENDIDA COMO RIQUEZA ACADÊMICA VERSUS CULTURA POPULAR

Banks (apud Lafuente, 2008) distingue os tipos de cultura, a alta cultura – definida como o produto resultante de um esforço e de um método - que é aquela que cuida das artes, teatro, museu, bibliotecas. Nestas instituições encontram-se os produtos culturais que são valorizados pela elite. Também trata da baixa cultura que é colocada pelo autor como cultura popular. As diversas manifestações consideradas “populares” estão inseridas nesta baixa cultura, tendo como exemplos o rock and roll e o calipson, assim como o folclore.



CULTURA COMO UM SISTEMA DE SÍMBOLOS

Entende-se a cultura como um conjunto de estruturas conceptuais, o símbolo que para os membros de um grupo social constituem a realidade (Geertz, apud Lafuente, 2005) posto que todos compartilham destas estruturas. Tal concepção de cultura enfatiza a coerência de todo o sistema, do seu tratamento diante dos símbolos que se mostram como colaboradores da identidade dessa comunidade.

CULTURA COMO PROCESSO SOCIAL

As diferenças culturais são os produtos do status, do poder e dos interesses políticos dos subgrupos e as instituições que se encontram na sociedade. Existe uma relação com os problemas da estrutura social e dos conflitos sociais. Quanto às mudanças culturais se aceitam, se aprendem, se recordam, se ignoram ou se esquecem dependendo da posição social dos integrantes da comunidade. Os fundamentos desta abordagem cultural são os seguintes:
a) A variação sistemática da cultura em relação ao poder social;
b) O conflito social como processo que desencadeia a variação dos tipos culturais;
c) O papel humano no uso das ferramentas culturais (Giddens, apud Lafuente 2008).

CULTURA NA VISÃO DE DOIS GRANDES TEÓRICOS DOS ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS

Dois dos maiores teóricos no campo da antropologia ajudam a entender de modo claro o que se pode ser chamado de cultura. O conceito de cultura está em pleno desenvolvimento há séculos, assim Candau (2000) destaca que
De uma concepção reducionista da cultura – que privilegia as dimensões artística e intelectual – passa-se a uma perspectiva mais abrangente (...), em que a cultura é vista como estruturante profundo do cotidiano de todo grupo social e se expressa modos de agir, relacionar-se, interpretar e atribuir sentido, celebrar, etc (2000:61)

Como foi visto acima, a cultura deixa de ser uma expressão somente artística para se mostrar como diversos aspectos mais profundos de um povo. Assim, Geertz (1989) se mostra que a cultura pode ser entendida como
Um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida (1989:103)

A cultura deixa de estar nos teatros e museus e começa a ser notada nos meios sociais, lingüísticos, folclóricos, entre outros.

BINÔMIO LÍNGUA-CULTURA

Com base nos estudos de Serragiotto (2007), quando fala-se de ensino de línguas, não faz sentido falar de algo abstrato. Não significa aprender somente regras e construções e, então, não é só o instrumento lingüístico que deve interessar àqueles que estudam.
Um cidadão que possui um instrumento lingüístico deve-se também contextualizá-lo e então considerar a cultura onde tal instrumento é usado. Isso porque língua e cultura estão sempre se influenciando. Quando se pensa numa língua, pensa-se em um instrumento usado por um povo - ou por povos - para representar si mesmo, então por traz existe uma cultura – ou culturas - que suporta tal instrumento.
Pode-se dizer também que não existe ou não se fala de cultura sem considerar o instrumento lingüístico. Uma cultura vem a ser descrita através desse. Afirma-se então que existe um binômio língua-cultura, segundo o qual existem algumas fortes relações que regulam esses dois elementos que se influenciam mutuamente, ligados de modo considerável pela natureza da relação deles.

A CULTURA NO ENSINO LINGÜÍSTICO

Com base nos pressupostos da interculturalidade e nos textos de Serragiotto (2007), deve-se levar em conta que as duas culturas (a do falante nativo e a do estudante) podem estar próximas e ao mesmo tempo são extremamente distantes. Uma simples análise abre as possibilidades para o professor na abordagem do ensino de uma segunda língua, mostra que o terreno para um diálogo e a construção de novos idéias sobre o povo vizinho dará ao ensino um dinamismo considerável. É necessário estar atento e não cair no excesso de estereótipos, mas uma informação geral pode ser muito útil para a abordagem, vem em contato com fatores culturais. Nesse modo a experiência de ensinar e o ensino tornam-se mais prazerosos e eficazes.
É necessário que exista uma clara informação sobre os costumes e sobre os usos de um povo, analisando tais fenômenos, procurando não criar estereótipos que poderiam falsificar a interpretação, mas fornecendo mais sociótipos, segundo a definição de Balboni (1999), isto é, algumas caracterizações que derivam de uma generalização racional de estereótipos empiricamente verificáveis.
Para fazer isso, deve-se levar em conta também os aspectos não-verbais de uma língua, porque esses também fazem parte da cultura e podem ser diferentes segundo algumas populações: a linguagem do corpo, a língua-objeto, a língua-ambiente (Balboni, 1999).
A partir desta parte do trabalho são apresentadas considerações baseadas em Serragiotto (2007) e Balboni (1999) sobre a língua e a cultura no ensino.
Para a linguagem do corpo entende-se o movimento, a postura, a gestualidade, a expressão facial, o olhar, o tocar e a distância.
Para a linguagem-objeto entendem-se os sinais, os desenhos, os artefatos, o vestuário e o adornamento pessoal.
A linguagem-ambiente é feita de cores, luzes, arquitetura, espaço, direções e elementos culturais que falam ao homem da sua natureza.
Cada falante nativo assimila algumas experiências sociais individuais características da própria cultura. Cada sociedade acumula algumas regras segundo as quais, algumas considerações concretas são interpretadas abstratamente e são validas entre os que se comunicam através do uso comum da mesma língua.
Em um discurso comum entre culturas, um estereótipo significa aplicar as próprias dimensões culturais (comportamento, valores, convicções, etc.) a uma outra cultura, fazer ressaltar as diferenças sem levar em conta algumas motivações e o background cultural que as criou. O estereotipo se mostra ainda como a cristalização de hábitos de um determinado povo, como por exemplo, acreditar que todos brasileiros gostam de samba, amam carnaval, comem churrasco e jogam futebol. Como imaginar uma nação com mais de 190 milhões de personalidades agindo com os mesmos modos, será cair em uma mesmice eterna.

MAS, QUE CAMINHO SEGUIR?

Foram apresentados diferentes conceitos de cultura. Estes conceitos ajudam a mostrar de modo teórico os diversos trabalhos existentes no campo do ensino-aprendizagem de línguas e também da Antropologia. Mas não esgotam a diversidade de trabalhos, de teses sobre o objeto cultura. Esta discussão não é de hoje e acredita-se que está longe de se esgotar.
O caminho a seguir deve ser construído a cada dia, a cada reflexão do docente diante da leitura e da reflexão do ensino e da aprendizagem – neste caso, do ensino-aprendizagem do PBLE.
Mas, que cultura ensinar? Ensina-se ou facilita-se a conhecer a cultura-meta? Neste trabalho a cultura foi vista desde a visão reducionista de expressão artística até à profunda conceitualização de aspectos internos de um povo e, também, da pluralidade de hábitos e tradições que envolvem a cultura na dinamicidade característica desta.
A missão desta contribuição não é da dar uma resposta pronta para o docente seguir esta ou aquela abordagem e, sim, mostra um panorama ainda que curto dos diversos conceitos de culturas. E vale lembrar que não abre-se mão aqui de deixar de lado o estereotipo que não colabora em nada com o ensino de uma nova língua.


ANEXOS

ALGUNS CONCEITOS

Cultura
Segundo a definição de Lévy-Strauss é “cultura” tudo que não é “natureza”. A natureza põe a necessidade de nutri-se, cobrir-se, procriar, etc. e as várias culturas oferecem modelos culturais os modos de procurar, preparar e distribuir os alimentos, os tipos de habitação e vestuário, a estrutura familiar, ect.

Língua estrangeira (LE)
A língua estrangeira é aquela que o aluno encontra apenas na escola, como o francês estudado na Itália.

Modelo cultural
É a unidade de base da análise cultural. São modelos culturais, por exemplo, a organização da alimentação ao decorrer do dia, as relações pais e filhos, a organização escolar, etc. Alguns modelos culturais estão inclusos entre os objetivos de cada unidade didática.

Segunda língua (L2)
A língua "segunda" é aquela que o estudante pode encontrar também fora da escola, como no caso de um italiano que estuda francês na França. A situação de língua segunda prevê que muito do input (estímulo) lingüístico sobre o que se trabalha provém diretamente do externo, freqüentemente proveniente da escola pelos mesmos estudantes; ainda mais na situação de língua segunda, a motivação é de costume absoluto, instrumental, cotidiano, mirando a integração no país.

Sociótipo
Caracterizações que derivam de uma generalização racional de estereótipos empiricamente verificáveis.

Estereótipos
Significa aplicar as próprias dimensões culturais (comportamento, valores, convicções, etc.) a uma outra cultura, fazer ressaltar as diferenças sem levar em conta algumas motivações e o background cultural que as criou.

REFERÊNCIAS

ALSINA, R. M. Comunicación intercultural. Barcelona: Anthropos, 1999.
AZIBEIRO, N. E. Corpo, educação intercultural e cidadania: o outro como sujeito das relações educativas de ensino, pesquisa e extensão. Revista Linguagem e cidadania, edição 8, dez/2002. Disponível em: http://www.ufsm.br/linguagem_e_cidadania/. acesso em 08/05/2007.
BALBONI, P. E. (Org.). La competencia comunicativa intercultural: um model . Perugia (Itália): Guerra Edizioni, 2006.
BALBONI, P. E. Problemi di comunicazione interculturale con allievi stranieri adulti. Disponível em http://venus.unive.it/aliasve/index.php?name=EZCMS&page_id=383. Acesso em 18/05/2007.
BERNARDO, I. M. A. A escola multicultural e o ensino de português língua segunda. Disponível em http://www.multiculturas.com/images/escola_ multicultural_Isabel-Bernardo.pdf. Acesso em 15/05/2007.
DUCCIO, D.; FAVARO, G.. Didattica interculturale: nuovi sguardi, competenze, percorsi. Milão (Itália): Franco Angeli Editore, 2007.
FERREIRA, Â. L. F. e AGUIAR, M. J. D. de. Interculturalismo e competência comunicativa no ensino de LE. Revista Linguagem e cidadania, edição 11, jun/2004. Disponível em: http://www.ufsm.br/linguagem_e_cidadania/. Acesso em 08/05/2007.
FLEURI, R. M. Educação intercultural. São Paulo: DP& A Editora, 2003.
FLEURI, R. M. Intercultura: Estudos emergentes. Ijuí (Rio Grade do Sul): Editora UNIJUÍ, 2003.
FURTADO, R. da C. Uma abordagem (inter) cultural no ensino do FLE no Amapá: concepções e práticas do Manual Portes ouvertes. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará/ Universidade das Antilhas e da Guiana, 2005.
LAFUENTE, M. M. Capítulo 1: Cultura. In: Integración de Lengua y Cultura en el aula E/LE: “hacia un enfoque intercultural”. Disponível em http://www.mepsyd.es/redele/biblioteca2005/Lafuente.shtml. Acesso em 28/10/2008.
MENEGALDO, M. G. Tradução de Marcos dos Reis Batista. Teoria e pratica nella didattica interculturale. In: ILSA – Italiano a stranieri – Rivista quadrimestrale per l’insegnamento dell’italiano come língua straniera/seconda. Ano 2007, N. 05 - Roma: Edizioni Edilingua, 2007, p. 9-10.
RODRIGO, M. La comunicación intercultural – portal de la comunicación. Disponível em: http://wzar.unizar.es/acad/fac/egb/educa/jlbernal/comintercultural.pdf. acesso em 20/04/2007.
SERRAGIOTTO, G. (org.). Le lingue straniere nella scuola. Nuovi percorsi, nuovi ambienti, nuovi docenti. Turim (Itália): UTET Editore, 2007.
TROUCHE, L. M. G. e JÚDICE, N. Tópicos em Português como Língua Estrangeira. Disponível em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/5/16.htm. Acesso em: 15/05/2007.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A DIDÁTICA LÚDICA DAS LÍNGUAS: Fundamentos, Natureza, Objetivos

A DIDÁTICA LÚDICA DAS LÍNGUAS: Fundamentos, Natureza, Objetivos[1]


Fabio Caon - Università Ca’ Foscari Venezia – original disponível em http://www.initonline.it/pdf/init19.pdf
Traduzido por Marcos Reis



RESUMO: Definir e tratar o papel do jogo e do lúdico na Didática das Línguas é uma atitude/estudo que requer reflexão, observação e planejamento necessários a um trabalho consistente. Porém, para isso é necessário o conhecimento teórico acerca deste modo de ensino. Assim, o referido trabalho apresenta de modo sucinto os fundamentos, a natureza e os objetivos da Didática Lúdica das Línguas e pretende explicitar a noção de atividade lúdica e atividade ludiforme, assim como a diferença entre o jogo livre e o jogo didático e suas implicações no ensino-aprendizagem de línguas.

INTRODUÇÃO[2]
Em um contexto de ensino-aprendizagem mais complexo, por exemplo, as classes com alunos de vários países e de diferentes níveis, o uso de uma didática variada e integrada (Mariani e Pozzo, 2002) para o ensino de línguas se torna uma necessidade que favorece uma aprendizagem eficaz por parte de todos os sujeitos/aprendentes envolvidos nesse processo. Se de fato assumimos como base de nosso discurso o princípio que os aprendentes são acima de tudo pessoas e que devem ser consideradas e valorizadas por suas características peculiares, eis que cada um é único e diferentes dos demais; então, devemos necessariamente pensar um uma didática que saiba adaptar as propostas de trabalho em sala de aula para as diferentes identidades de cada cidadão e dos grupos nos diversos contextos (sal, laboratório, etc.).
Estamos conscientes que o princípio agora exposto, suscita a complexidade dos problemas de tal modo que é improvável uma única resposta, tais são os planos envolvidos (psicológico-relacional, organizativo, metodológico, cultural-intercultural); por outro lado, se deseja considerar em análise a dimensão exclusivamente didática. A necessária síntese desse artigo ficaria ridiculamente se tratasse somente de cada tratamento que se deseja incansavelmente estudar sobre a variedade das propostas metodológicas possíveis para os diversos contextos.
Modestamente os objetivos deste e de outras contribuições é de informar o ponto de vista teórico e operativo a propósito de uma única metodologia que, mesmo em contextos de sala de aula com alunos falantes de diversas línguas e de diversos níveis, encontra-se eficaz para a aprendizagem de línguas.
Neste artigo, apresentaremos sinteticamente a didática lúdica das línguas, examinando os fundamentos e as referencias teóricas, apresentando as características constitutivas e observando seus objetivos.

O JOGO COMO EXPERIÊNCIA COMPLEXA E SIGNIFICATIVA
É evidente o destaque da Didática Lúdica das Línguas quanto à dimensão do jogo e, é justamente sobre a dimensão do jogo que preliminarmente e rapidamente nós concentraremos nossa atenção. Isto porque, em plena coerência e similaridade com o conceito de aprendizagem significativa – ou seja, de uma aprendizagem estável e duradoura, por um lado motivado intrinsecamente e levado ao prazer, “global” e por outro, envolvido com a esfera cognitiva, emotiva e social do discente – podemos também destacar que o jogo conota como experiência global e holística na qual se integram, com diversas prevalências segundo a tipologia dos jogos com diferentes componentes:
· Afetivos (divertimento, prazer);
· Sociais (grupo, equipe);
· Motores e psicomotores (movimento, coordenação, equilíbrio);
· Cognitivos (elaboração de uma estratégia de jogo, aprendizagem de regras);
· Emotivos (medo, tensão, senso de liberdade);
· Culturais (as regras específicas e as modalidades de relação);
· Transculturais (as necessidades do respeito às regras do jogo).

O jogo, como aprendizagem significativa, resulta ser uma experiência complexa e envolvente, mas não somente porque – como já dissemos – ativa o sujeito de modo global. Isso permite ao estudante também em aprender, através da prática, de um modo constante e natural, acrescentando os próprios conhecimentos e competências.
Existe ainda um terceiro fator que é de particular relevância para a nossa perspectiva: o jogo se é percebido e vivido como tal, empenha e diverte em um determinado tempo. O aspecto harmônico de empenho e diversão destaca assim o prazer intrínseco da atividade sem negar o esforço cognitivo ou psicofísico.

JOGO LIVRE E JOGO DIDÁTICO
Evidenciada, ainda que de modo sintético, a natureza do jogo como expressão global da “pessoa-estudante”, podemos intuir que a experiência lúdica apresenta algumas evidentes potencialidades para a aprendizagem em geral e, de modo especial, para o ensino de línguas, pois a quase totalidade dos jogos prevê o uso da palavra durante o envolvimento deles e na comunicação das regras.
Para traduzir as potencialidades nas efetivas propostas especificas para o ensino-aprendizagem da língua materna (LM), Língua Estrangeira(LE) ou Língua Segunda (L2) e para evitar possíveis confusões através de visões com pré-julgamentos cujo jogo na escola seja o momento “sério” da aprendizagem, é fundamental introduzir acima de tudo uma distinção clara entre o jogo livre (praticado pelos sujeitos em ambientes extralingüísticos ou sem controle) e jogo didático (proposto pelo professor em contextos de aprendizagem). Para isso, citamos dois termos introduzidos pelo pedagogo Aldo Visalberghi: atividade lúdica (correspondente ao jogo livre) e atividade ludiforme (correspondente ao jogo didático). Para Visalberghi, a atividade lúdica tem quatro características:
a. É empenhativa: prevê um envolvimento psico-físico, cognitivo e afetivo;
b. É contínua: acompanha constantemente a vida da criança e continua a ter um papel na vida do adulto;
c. É progressiva: não é estática, se renova, é fator de crescimento cognitivo, relacional, afetiva, amplia o conhecimento e as competências;
d. Não é funcional: é autotélica, isto é tem objetivo em si mesma.

Na atividade ludiforme, ao contrário, podem estar presentes as características de empenhatividade, continuidade e progressividade, a “finalidade” do jogo não corresponde à finalidade da atividade. No jogo didático se busca conscientemente um objetivo que está além do jogo propriamente dito.
As atividades ludiformes, então, são “construídas intencionalmente para dar uma forma divertida e prazerosa a determinados aprendentes” (Staccioli, 1998:16).

Afirma Visalberghi (1980:476):

Somente as atividades automotivas, pois empenhativas, contínuas e também em qualquer medida progressivas, isto é, as atividades lúdicas ou pelo menos ludiformes, são capazes de estruturar de modo conjunto, inovador e flexível os comportamentos humanos.
As atividades de rotinas, heterogêneas ou comuns para sacrificar demais a gratificação presente nas vantagens futuras são privadas de fecundidade espiritual.
O homem explora o seu mundo pelo prazer de explorá-lo, não pela avaliação das vantagens que poderá trazê-las.
Este é o aspecto divino que está presente nele.

Compartilha da mesma opinião Mario Polito (2000:333) segundo o qual
O jogo possui algumas potencialidades educativas consideráveis que facilitam tanto a aprendizagem quanto a socialização. É necessário desenvolver em cada pessoa a capacidade lúdica que consiste no envolvimento e no ser criativo com a experiência e com a vida. O jogo, de fato, acende o entusiasmo, faz transmitir o interesse, deixa em evidência o envolvimento, favorece as habilidades sociais, cresce a expressão de si, estimula a aprendizagem, ativa a afetividade, as emoções, os pensamentos. Valorizando a dimensão lúdica na aprendizagem evita a escolha de uma orientação no plano cognitivo à parte de outras dimensões, como a afetiva, a interpessoal, a corporal, a manual.

O jogo didático, então, a experiência ludiforme (projetada e gerida pelo docente com finalidades didáticas, educativas e não meramente recreativas) pode se revelar um eficaz mediador na transmissão dos conteúdos, por isso o estudante pode se apropriar de estruturas e de léxico através de uma experiência global e intrinsecamente motivada (o prazer do jogo e das brincadeiras) que apresenta um ponto de vista cognitivo, mas também afetivo, social e criativo. Tal integração espontânea, de esfera intrapessoal e interpessoal própria da atividade lúdica pode favorecer, do ponto de vista didático, o desenvolvimento contemporâneo seja de competências lingüístico-cognitivas que sociais e educativas.



A NATUREZA DA DIDÁTICA LÚDICA DAS LÍNGUAS
A didática lúdica das línguas é uma metodologia que realiza coerentemente em modelos operativos em técnicas didáticas os princípios fundadores das abordagens humanístico-afetiva, comunicativa e do construtivismo sócio-cultural.
Podemos sintetizar tais princípios em:
a. Atenção às necessidades comunicativas do estudante (com particular observação aos componentes psico-afetivos e motivacionais que influenciam o processo de aprendizagem);
b. Importância da língua como instrumento de expressão do ser e de interação social (com particular atenção aos aspectos sócio-culturais, interculturais, paralingüísticos e extralingüísticos);
c. Concepção da aprendizagem como processo construtivo cujo discente deve estar ativamente empenhado na criação do seu conhecimento;
d. Consciência e valorização derivadas das diferenças entre os estudantes da sua própria história pessoal, do seu ambiente social, dos seus interesses específicos, dos seus objetivos existenciais e acadêmicos, dos seus estilos cognitivos e de aprendizagem;
e. Concepção do papel do professor como facilitador da aprendizagem.

DIDÁTICA LÚDICA DAS LÍNGUAS: OS FUNDAMENTOS
Do ponto de vista de referencia teórica da Didática das línguas, a base da metodologia lúdica, podemos propor a abordagem comunicativa e a funcional-comunicativa. Nós nos deteremos nesta parte do trabalho quanto à descrição das duas abordagens pelos quais reprovam outras abordagens (cf. Balboni, 2002), mas nos limitaremos a considerar a competência comunicativa como o objetivo destas abordagens. Utilizando uma metodologia lúdica, depois, se observa o desenvolver no estudante de uma competência comunicativa e de traduzir nos modelos os seguintes princípios:
A atenção às necessidades comunicativas do aluno;
A atenção à dimensão cultural que influencia o processo de aprendizagem lingüístico e o intercultural que devem ser valorizado na relação interpessoal no desenvolvimento das atividades;
A importância assinalada na “interação entre os alunos que não constituem um dos momentos do processo didático, mas tende a constituir todo o processo” (Porcello, Dolci, 1999:11);
O comprometimento do aluno, o qual não lhe é pedido uma competência genérica, mas a capacidade de usar a língua como veículo de interação social;
O interesse pelo componente social da comunicação (aspectos sociais-culturais, aspectos paralingüísticos e extralingüísticos).

A aprendizagem de línguas, portanto, se insere em um quadro geral de desenvolvimento e crescimento pessoal, assume grande relevância aos aspectos psicológicos, psicomotores e neurolingüísticos do aprendente (Caon e Rutka, 2004:11).
Ao lado das abordagens da Didática das Línguas, podemos citar como fundamentos desta metodologia também os princípios das teorias construtivistas (cf. Bruner, 1996; Wilson, 1996; Vygotskij, 1980) desenvolvidos a partir dos anos 1980:

a. A aprendizagem é um processo construtivo que se realiza melhor quando este deve ser “adquirido de modo relevante e significativo para quem aprende e quando quem aprende é ativamente empenhado na criação do seu conhecimento e da sua compreensão conectando isto com o que aprendeu com o conhecimento precedente”.
b. “A aprendizagem procede com maior facilidade em um ambiente que promove relações interpessoais e interacionais, ordenadas e prazerosas, reconhecido, respeitado e valorizado.”

A escola, então, em uma perspectiva construtiva; porém, não é mais o lugar onde se transmite o conhecimento, mas um ambiente de aprendizagem significativa; o processo de ensino-aprendizagem não é mais centrado no professor e no produto do ensino, e sim, no estudante e no seu processo de aprendizagem. O conhecimento assume também um valor social, pois é fruto da partilha de experiência e da interação de diversos saberes.
Aprovar do ponto de vista educativo a idéia da natureza social da atividade cognitiva e do desenvolvimento intelectual e psicológico implica na necessidade, por parte dos professores, de predispor contextos onde se possa ter a co-construção de conhecimento; de ambientes sociais, então, que sejam ricos de estímulos onde os estudantes possam aprender pela relação e pelo confronto com os outros através de uma contínua negociação do que é significativo.
Em uma perspectiva construtivista, o sujeito, a partir da própria experiência da realidade, constrói de modo ativo e dinâmico seu conhecimento em constante contato com a realidade que o circunda.
A relação dinâmica no grupo se torna o meio através do qual se chega a construir o conhecimento junto, ampliando os próprios horizontes, desenvolvendo o pensamento crítico e é este valor de cooperação entre os estudantes que representa a chave da vez no processo de ensino-aprendizagem. Ora, é evidente que o jogo didático, mesmo pela sua complexidade intrínseca, pelo fato de envolver o sujeito de modo global e pelo fato de que cria naturalmente alguns contextos cooperativos, no interior de uma atividade competitiva - pensemos, por exemplo, nos jogos cooperativos dos grupos ou equipes – apresenta algumas potencialidades para desenvolver conhecimentos e competências, seja do tipo lingüístico, seja do tipo cognitivo e social.
A didática lúdica das Línguas, não deve ser confundida e identificada com o jogo em sentido restrito, cria um contexto lúdico caracterizado por uma didática que estimula a curiosidade, o prazer, o desejo de descobrir, a participação do aluno, a possibilidade de resolver problemas em grupo, situações reais ou imaginárias onde são chamados a expor todas as capacidades cognitivas e criativas de todo o grupo. Tal metodologia favorece a interação social através da construção do conhecimento em grupo.
A didática lúdica das Línguas, além disso, assume características cooperativas sempre que se propõem jogos, atividades lúdicas ou ludiformes em dupla ou em pequenos grupos, onde existem condições necessárias à busca por um objetivo comum:
A interdependência entre os componentes do grupo, isto é, o trabalho de cada um depende do outro para poder alcançar o objetivo estabelecido;
Um bom clima favorece a relação interpessoal;
O uso de competências sociais;
A participação ativa e responsável de cada estudante.


DIDÁTICA LÚDICA DAS LÍNGUAS: OS OBJETIVOS
Coerentemente com o que foi apresentado, os objetivos da Didática Lúdica das Línguas são os de favorecer uma aprendizagem significativa para os estudantes, também em termos de estabilidade e de persistência na imaginação de conceitos na memória a longo prazo.
O papel do professor nessa perspectiva é o de conhecedor da disciplina e de eficaz comunicador, também é o organizador do ambiente que deve ser rico de estímulo e de regente das atividades; em uma expressão, de facilitador da aprendizagem. O professor facilitador que aplica a Didática Lúdica das Línguas, então, tem como objetivos principais:
A promoção de uma abordagem lúdica a uma atividade didática, onde seja valorizada a cooperação para a conquista de objetivos claros de aprendizagem, controlada a competitividade até que não genérica ânsia e stress dos estudantes, promovido pelo prazer da competição;
A criação de um ambiente de ensino-aprendizagem caracterizado pela calma, serenidade e onde seja possível um uso freqüente e finalizado de jogos didáticos; um ambiente onde o aluno se encontra realmente no centro do processo de ensino-aprendizagem, neste deve existir particular atenção aos interesses dos estudantes, às necessidades da formação e às modalidades de ensino-aprendizagem mais eficazes para as especificas características dos indivíduos e do grupo;
A atenção à uma dimensão metacognitiva do processo de ensino-aprendizagem em que é solicitada implicitamente – através, por exemplo, do uso de técnicas de tipo indutivo ou de problem solving – e explicitamente – graças a freqüentes momentos de sistematização gramatical e de reflexão dividida nas modalidades de aprendizagem preferidas pelos estudantes – a participação ativa dos estudantes, a construção de novos conhecimentos através da recuperação de saberes anteriores, a cooperação, o desenvolvimento do pensamento crítico e divergente.

Para alcançar esses objetivos, é fundamental propor de forma lúdica cada atividade, procurando assim, atenuar todas as resistências e dificuldades de ordem psicológica, permitindo ao estudante de enfrentar de modo sereno o estudo da língua e se envolvendo com o processo de aprendizagem todas as suas capacidades cognitivas, afetivas, sociais e sensomotoras.
Quem tende aplicar uma metodologia lúdica, então, deve ter o objetivo de conjugar harmonicamente o potencial totalizante e educativo dos comportamentos lúdicos do homem com os objetivos formativos e lingüísticos próprios da Didática Lúdica das Línguas, conseguindo assim conciliar uma alta motivação, um deleite e um envolvimento pessoal profundos com as instâncias da instrução escolar.

REFERÊNCIAS
BALBONI, P.E. Le sfide del Babele. Turim: Utete, 2002.
BRUNER, J. La cultura dell’educazione. Milão: Feltrinelli, 1996.
CAON, F.; RUTKA, S. La língua in gioco. Perugia: Guerra edizioni, 2004.
MARIANI, L.; POZZO, G. Stili, strategie e strumenti nell’apprendimento linguistico. Florença: La nuova Itália, 2002.
POLITO, M. Attivare le risorse del grppo classse. Trento: Erickson, 2000.
PORCELLI, G.; DOLCI, R. Multimedialità e insegnamenti linguistici. Turim: Utete, 1999.
STACCIOLI, G. 1998. Il gioco e il giocare. Roam: Carocci.
VISALBERGHI, A. Gioco e intelligenza. In “Scuola e città”. N. 11, 30 Nov. 1980.
VYGOTSKIJ, L. Il processo cognitivo. Turim: Boringhieri, 1980.
WILSON, B. G. Contructivist Learning Enviroments. Cases Studies in instructional Design, Englewood Cliffs, NJ: Educational Technology Publications, 1996.

[1]Texto original: CAON, Fabio. La glottodidattica ludica: fondamenti, natura, obiettivi. In: In.it – quadrimestrale di servizio per gli insegnanti di italiano come lingua straniera. Perugia (Itália): Guerra Edizioni, n. 19, p.2-5, 2006. Artigo traduzido por Marcos dos Reis Batista.
[2] Este artigo foi produzido no âmbito do ensino do italiano como língua estrangeira. Entretanto, o consideramos bastante interessante, principalmente para aqueles que estão começando sua carreira no ensino de português brasileiro como língua estrangeira / língua segunda, que o traduzimos para publicação em português do Brasil.

INTERAÇÃO DE ALUNOS DE DIFERENTES NACIONALIDADES EM SALAS DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Texto de Denise Barros Weiss - disponível em http://www.ichs.ufop.br/conifes/anais/EDU/edu1007.htm


O campo de trabalho em que se insere este texto, o português visto como uma língua estrangeira, é relativamente pouco conhecido no Brasil. É, assim, um espaço em que muitas discussões ainda estão em aberto. Entre elas destacamos uma, que tem repercussões diretas na prática do profissional do setor: como trabalhar em uma sala de aula multicultural. Neste texto o objetivo é analisar algumas das características desses grupos de alunos e o papel do professor que trabalha com eles.

1. Relações interculturais: um pouco da teoria

O conceito de cultura que norteará este artigo será o que foi apresentado por Itacira Ferreira: “queremos nos referir, aqui, a todas as atividades do fazer e do pensar humanos, além das experiências, leis e normas que determinam a convivência, principalmente as atitudes dos homens diante do novo e do estranho, assim como diante das diferentes idéias e sistemas de valores e formas de vida” (FERREIRA, 1998, p.40).
Chama a atenção nesse conceito a referência à reação diante do novo que, na sala de português como língua estrangeira, é de grande importância no desenvolvimento das relações interpessoais.
Alunos e professor de língua estrangeira entram em contato uns com os outros em uma situação especial e delicada. Pessoas que não se conhecem, que não partilham, em princípio, a mesma língua nem a mesma cultura, passam a conviver quotidianamente. O objetivo explícito para essa reunião é o ensino/aprendizagem da língua e a cultura de um país estrangeiro. Entretanto há ali, conforme já foi visto, outras trocas do que essa.
Cada aluno, assim como o professor, chega à sala trazendo como bagagem sua vida e suas experiências pregressas. Não tarda muito para que os outros queiram saber sobre essas experiências, e aí surge um feixe de relações imprevistas, de que o currículo previamente organizado pelo professor não dá conta e que interfere no comportamento e no rendimento da turma. Trata-se, fundamentalmente da manifestação do processo que Hanvey, citado por Schlatter (1996, p.16-7) chama de conscientização cultural:
No estágio 1, a informação sobre a cultura de outro povo consiste de traços superficiais, fatos isolados e estereótipos. A cultura é tida como estranha, bizarra e exótica. Os indivíduos da outra cultura são muitas vezes considerados rudes, ignorantes, lhes falta um certo refinamento. No estágio 2, a informação é ampliada com os traços que contrastam com a própria cultura. O comportamento dos indivíduos é tachado de irracional, irritante e sem sentido. No 3º estágio, a cultura estrangeira começa a ser aceita no nível intelectual, tornando-se pois aceitável porque pode ser explicada. O comportamento passa a ser interpretado através do parâmetro da própria cultura estrangeira. Finalmente o último estágio é o da empatia. O indivíduo começa a ver a cultura como se pertencesse a ela e pode assim sentir o que o nativo sente.

O autor certamente se referia ao processo de aculturação à língua-alvo, mas é possível apropriar-se desse escalonamento e ampliar seu raio de ação para que abranja também as relações que os alunos têm com as demais culturas com as quais convivem em uma sala multicultural.
Em uma primeira fase desse relacionamento, os envolvidos no processo (incluindo-se aí alunos e professores) tendem a olhar uns para os outros com base em conceitos já muito arraigados. É como se a sala de aula não fosse formada por pessoas, mas por nacionalidades. Não existe o John, mas um americano, nem o Hideki, mas um japonês. Na falta de referências específicas, todos usam as imagens estereotipadas que têm sobre os países de origem dos colegas. O professor também é identificado de acordo com o mesmo critério.
Nessa fase, costumam ocorrer muitos enganos, e às vezes problemas até bem sérios, dependendo do grupo que se formou, conforme se verá na próxima seção .
Rod Ellis, em seu Second Language Acquisition, ao tratar das identidades sociais explica que “aprendizes de língua têm identidades sociais complexas que podem ser entendidas somente em termos de relações de poder que dão forma a estruturas sociais[1][2]” ELLIS (1997, p.40)
Uma sala de aula de língua estrangeira é, portanto, não apenas um lugar onde se reúnem pessoas interessadas em receber informações novas, mas um espaço privilegiado de discussão e um microcosmo de relações sociais organizado e reorganizado continuamente. Ao se reunirem pessoas de diferentes origens, a língua alvo torna-se, mais do que uma disciplina a ser estudada, o meio, muitas vezes único, de se estabelecer a comunicação e o entendimento mútuo. Quando há de fato interesse nesse entendimento, existe um crescimento do grupo em direção a níveis mais elevados de proficiência. Entretanto, se alguém fica de fora, corre um sério risco de perder oportunidades de interação e provavelmente terá dificuldades em atingir tais níveis de proficiência.
Uma pista para se compreender o que pode significar o caminho percorrido pelo aluno estrangeiro, quando vai imergir na cultura alvo, pode ser o que explica BASTOS (1999, p. 9-10):

O modo de vida vigente, ou a realidade consensual, pode ser entendido, a princípio, como o modo de subjetividade homogenética. Ilustrativamente, pode-se dizer que, quando há rupturas na subjetividade homogenética, surgem possibilidades de outros modos de existir diversos até então. Em outras palavras, aqui aparecem, então, certos modos de subjetividade heterogenética ou mutante.

Pode-se considerar o momento da decisão de se sair do país como um momento de quebra da subjetividade homogenética. Quando alguém se dispõe a dedicar um ano de sua vida (ou sua vida toda) ao projeto de viver outra cultura, pode-se dizer que ele já não corresponde mais ao estereótipo da cultura na qual nasceu e foi criado. É alguém que já se percebe um pouco diferente em relação aos demais de sua comunidade. Há algum grau de insatisfação com sua vida que o faz buscar um espaço diferente, uma interação com outras coisas. Quando ele sente a necessidade dessa busca, já está um pouco aberto para a apreensão dessa outra realidade.
Paul Claval, em seu livro A geografia cultural, assim se refere à experiência do relativismo cultural:
Ao freqüentar vários grupos, descobre-se rapidamente a relatividade das convenções e das normas que os caracterizam. Enquanto se permanece prisioneiro de uma outra cultura, então tudo parece assinalado pela marca da necessidade, tudo parece legítimo. Os costumes, as instituições, os mitos, as crenças são tidos como normais e parecem depender mais do registro da natureza do que da criação humana.
O desenraizamento libera ao permitir comparações: toda sociedade deve enfrentar necessidades e assegurar serviços, mas há mil maneiras de consegui-lo. Para quem conhece muitas culturas, nada permite afirmar a priori que uma solução seja superior a outras.
As situações de contato cultural abrem assim a via aos questionamentos. Fazendo descobrir outros códigos e outros sistemas de regras, convidam ao questionamento das bases do universo no qual se vive. (CLAVAL, 1999, p.106)

Mas entre a vontade, algo utópica, de viver o diferente, e a realidade de sair de seu locus vivendi e entrar em outro, existe um processo longo, não isento de sofrimento. A passagem não se dá sem que haja um estranhamento diante do diferente, uma comparação com aquilo que lhe é caro, até que haja, finalmente, a compreensão e a aceitação da outra cultura. Esse processo é especialmente sofrido quando o aluno sai de seu país por motivos tais como a guerra ou a necessidade premente de aceitar um emprego em outro lugar.
Almeida Filho chama a esse processo “desestrangeirização”. Em suas palavras,

É preciso lembrar também que a desestrangeirização é um processo que não termina por transformar o aprendiz num novo falante nativo da outra língua. Muitos aprendizes bem-sucedidos logram avançar até níveis de impressionante parecência com padrões nativos de desempenho lingüístico-comunicativo, mas ainda assim não poderiam ser, a não ser em casos raros, confundidos com verdadeiros falantes nativos. Essa aparente limitação não representa para aprendizes maduros nenhum prejuízo, uma vez que gozam já de uma plenitude lingüística em suas línguas maternas onde vivem culturalmente integrados. (ALMEIDA FILHO, 1996, p. 21)

Costuma haver uma expectativa de que, ao final do processo de aquisição de uma segunda língua, o aluno estrangeiro se torne uma cópia fiel de um falante nativo. Mas ele não quer e nem pode se encorajado a aspirar algo assim - já que isso demandaria a perda completa de grande parte de sua vida anterior e o tornaria, muito provavelmente, uma caricatura do que ele crê ser o falante nativo típico. Assumir que se vai ser diferente é um grande passo na imersão na cultura alvo.
Segundo Ferreira, “não é objetivo da aula de língua fazer com que o aluno internalize profundamente as formas de pensamento e conduta da outra cultura, pois para que haja uma comunicação cultural satisfatória não é necessário ocultar sua condição de estrangeiro”. (FERREIRA,1998, p. 43)
O processo de destrangeirização se dá de dois modos que atuam em maior ou em menor grau, ainda que simultaneamente, ao longo do tempo: aquisição e aprendizagem. Adotaremos aqui a postura de Krashen, que distingue (ao contrário de Rod Ellis) esses dois processos.

a aquisição é um processo subconsciente de construção criativa usado por crianças e adultos ao adquirirem a primeira e a segunda línguas. A aquisição é natural e por isso muito se assemelha à maneira pela qual a criança adquire a primeira língua, enfatizando-se a necessidade de comunicação e não a forma lingüística. A aprendizagem de uma língua, por outro lado, é um processo consciente através do qual regras são assimiladas e observadas. (KRASHEN,1982, p.10)

Tanto a aquisição quanto a aprendizagem ocorrem na sala de aula de língua estrangeira. A formalização é, de modo geral, parte importante das expectativas do aluno quando se dispõe a aprender uma segunda língua em um curso, especialmente quando está em contexto de imersão, como é o caso dos alunos que vêm para o Brasil. Ela se dá prioritariamente na relação professor aluno(s). Por outro lado, a aquisição, espontânea, se processa prioritariamente no trato entre os alunos na sala.
Uma parte fundamental do processo se dá pela compreensão da cultura-alvo. Na sala de aula, tradicionalmente se atribui exclusivamente ao professor o papel de divulgador dessa cultura. No caso em apreço, porém, que é a o de alunos em imersão na cultura-alvo, o que a experiência tem mostrado sugere um quadro diverso. Muitas vezes são os próprios alunos que apresentam aspectos da cultura brasileira uns para os outros, durante suas conversas em sala. Cada um compartilha com os colegas e com o professor sua ponto de vista a respeito daquilo que viu e experimentou. Essa leitura dos diferentes aspectos da cultura alvo, feita por pelo aluno estrangeiro, ajuda os outros da turma que ainda não tiveram aquela experiência a compreendê-la, ou ao menos a se prepararem para ela. Permite ainda ao professor conhecer o que o aluno pensa sobre o tema e colaborar para que ele tenha uma informação mais abrangente, mostrando-lhe sua própria visão, como nativo daquela cultura..
Mas é oportuno lembrar que o aluno que aprende uma língua não o faz para poder falar da cultura alheia mas, prioritariamente, para falar de si mesmo, para se apresentar e apresentar sua cultura e sua maneira de pensar aos outros. Isso também é fonte de discussões freqüentes durante os cursos de língua estrangeira. A professora Lygia Trouche descreveu assim sua experiência no programa de Português para estrangeiros da Universidade Federal Fluminense:

Como num jogo de espelhos, as diversas culturas representadas por alunos alemães, japoneses, norte-americanos, de São Salvador e da Nova Zelândia entram em contato numa busca de reconhecimento de identidades nacionais específicas e de possibilidades de compreensão mais profunda, em nível humano, numa troca de experiências de vida e modos de ser diferentes. (TROUCHE, 1996, p. 71)

A língua-alvo torna-se meio de comunicação progressivamente mais efetivo das necessidades e questionamentos de cada um, proporcionando negociações de sentido sempre mais sofisticadas. O nível de interação entre os aprendizes é, nessa perspectiva, essencial para possibilitar mais oportunidades de crescimento e de compreensão do outro. Além disso, é um dos elementos necessários à baixa do chamado filtro afetivo, que interfere na capacidade de o aluno atingir níveis mais altos de proficiência na língua-alvo.
Entendemos aqui proficiência na acepção de Ommagio, tal como foi resumida na dissertação de mestrado da autora:

Omaggio (1986) propõe considerar a proficiência não como o ponto final de uma trajetória de aprendizagem ou aquisição de língua, mas como um conceito escalar, específico para a análise de aprendizagem de língua estrangeira, que serve de base para uma estruturação dos objetivos de ensino, dando as diretrizes que levarão o aluno a atingir níveis de conhecimento da língua-alvo. Esses níveis são estabelecidos com base em habilidades específicas que devem ser adquiridas. (WEISS, 1994, p.68)

Wolfang Klein, em seu livro Second language acquisition, (KLEIN, 1986) informa-nos que há condições que determinam a propensão de um aprendiz a ter sucesso na tarefa a que se propõe. Segundo ele, a propensão cobre a totalidade dos fatores que fazem com que o leitor use sua faculdade de linguagem para aprender uma segunda língua. Alguns desses fatores são positivos, outros negativos. Não é fácil determinar quais são os fatores nem mensurá-los, mas é importante analisá-los porque eles não afetam igualmente todos os aspectos da aprendizagem e podem ser afetados por fatores externos. Dentre os que ele cita, destacamos o que ele chama atitude.
A atitude compreende a relação até certo ponto emocional que o aprendiz tem com a língua alvo. Estão incluídos aí os preconceitos, a admiração pelo povo, o "status" que a língua possui no conceito do aluno, etc. A atitude pode assumir certas formas menos óbvias, tais como a preocupação com a perda da identidade social , a sensação de que aprender uma certa língua, cuja proximidade com a língua materna do aprendiz é grande, é perda de tempo, o medo de revelar suas dificuldades na hora de produzir enunciados, que faz com que o aluno não queira falar ou escrever. Em alguns desses casos, parece haver uma atitude não só frente à língua, mas frente a outros comportamentos sociais.
Influenciada em grande parte pelos estereótipos vigentes, a atitude é especialmente forte na fase de adaptação do aluno no país estrangeiro. Nessa adaptação manifesta-se muitas vezes o medo do desconhecido.
Uma frase de um aluno do curso de Português para estrangeiros que já está no Brasil há aproximadamente um ano, ao conversar com um recém-chegado, ilustra bem qual é o peso do filtro afetivo no processo de desestrangeirização. Quando se comentava em sala a respeito da adaptação desse modo aluno, ele disse que não sabia o que fazer com seus pertences, já que não conseguia confiar nas pessoas com quem estava convivendo no lugar que escolhera para morar, o aluno mais antigo se manifestou, dirigindo-se especificamente ao recém-chegado:

John, quando eu cheguei, também tinha medo. País diferente, povo estranho. Mas, com o tempo vi não era assim tão perigoso.

Vista pela ótica de outro estrangeiro, a situação em que o aprendiz se encontra deixa de ter o peso da solidão. Um se apóia no outro na tentativa de traduzir para si o mundo estranho em que se encontra. Nesse caso, a interferência do professor, um nativo, não teria a mesma força.
A sala de aula pode se tornar, então, o lugar em que as múltiplas identidades se entrecruzam. Um caldeirão onde são problematizados os modos de cada aluno ver o mundo e de apreendê-lo. Não é espaço, portanto, de veiculação de uma cultura-alvo, somente, mas de trocas de experiências de indivíduos portadores de múltiplas culturas, que, em contato, mudam e complexificam suas relações, revêem seus conceitos e (re)criam suas identidades.

2. Ensinar português como língua estrangeira em salas multiculturais

O professor de português como língua estrangeira tem, como campo de trabalho, no Brasil de hoje, três grandes áreas.
Na primeira estão as turmas formadas geralmente funcionários de empresas estrangeiras que precisam ser habilitados para aumentarem a fluência em português. Nesse caso, é bastante comum a formação de turmas homogêneas (de alemães, de americanos, de franceses, de acordo com a nacionalidade da matriz). Uma característica dessas turmas, sob o ponto de vista do professor, é a possibilidade de tratamento homogêneo (até certo ponto) das questões culturais, feito através da comparação da cultura materna à alvo. Nesse processo, os alunos, com suas singularidades, fornecem o contraponto às informações, opiniões e crenças do professor, representante da língua-alvo. Ao trabalhar com essas turmas, o professor tem condições de se especializar na cultura dos seus alunos, preparando de antemão atividades que versem sobre temas que ele domina. Assim, um professor que tem em sala somente alunos alemães, por exemplo, pode trabalhar com temas da história do país, enfocando-os sob as óticas brasileira e alemã, com a relativa segurança de conhecer previamente os pontos de vista prováveis de cada parte envolvida.
A segunda área de trabalho é a das aulas particulares. Caracteriza esse tipo de atividade a interação de um para um entre professor e aluno. As trocas se realizam quase exclusivamente entre eles. A comparação entre as culturas se dá no contato de dois indivíduos, com suas crenças e preconceitos, geralmente confrontados. O processo de preparação das aulas é semelhante ao das aulas para turmas homogêneas, diferenciando-se no nível das discussões, que costuma ser mais aprofundado.
Na terceira área temos o trabalho com turmas heterogêneas. Comuns nos cursos oferecidos em instituições tais como as universidades e cursos particulares, essas turmas costumam ser abertas a indivíduos de diferentes nacionalidades, já que freqüentemente não existe possibilidade de se criar turmas específicas, dada a grande variação na demanda. Nesse contexto, há uma pluralidade de culturas em contato, e o professor se torna o representante de uma delas. O contraste, então, será multidirecional, ainda que o foco das comparações seja, a princípio, entre as culturas maternas dos alunos e a cultura-alvo. Nesse caso, torna-se quase inviável para o professor o domínio, ainda que precário, das culturas representadas em sua sala de aula, seja pela diversidade, seja pela dificuldade de se obter as informações relevantes em cada aula preparada.
Em uma sala de aula com essas características, as relações são mais complexas. Há uma relação em foco: a que se considera principal, por ser, em princípio, a razão pela qual se reúne a turma, é a que ocorre entre o professor e os alunos. É, segundo a tradição educacional, uma relação assimétrica: o professor detém o poder de falar e de fazer calar. Ao aluno cabe o papel, quase passivo, de reagir ao que for proposto pelo professor, respondendo às questões que lhe forem dirigidas e fazendo perguntas (o que ocorre apenas eventualmente, em muitos casos). O aluno costuma procurar produzir um discurso mais formal, voltado em grande parte para o atendimento das proposições da situação de sala de aula. Está sempre presente a preocupação em ser proficiente na língua-alvo, mas nem sempre é primordial a comunicação de idéias, a troca de significados.
A segunda modalidade de interação é a que existe entre os alunos. Essa subverte a ordem da sala de aula e é temida pelo professor na aula chamada tradicional, que a considera perigosa para o bom andamento dos trabalhos.
Em uma sala de aula de português como língua materna, por exemplo, essa chamada “conversa paralela” é desencorajada pelo professor. Entretanto, em uma aula de português como língua estrangeira os alunos são encorajados a conversarem entre si, já que nessa atividade predomina o interesse genuíno pelo que o outro tem a dizer e, mesmo no contexto formal da sala, a troca tende a ser mais significativa, menos ditada pelas exigências de um programa de estudos e mais voltada para a informação.
A sala de aula multicultural favorece esse tipo de interação. Alunos de diferentes nacionalidades tendem a se sentir mais interessados na cultura do outro, nos seus pontos de vista. Por causa desse interesse as oportunidades de se usar a língua alvo (no caso, o português) se multiplicam.
É o que afirma Haiston, citado por Julia Gousseva em artigo publicado em The Internet TESL Journal: "Real diversity emerges from the students themselves and flourishes in a collaborative classroom in which they work together to develop their ideas and test them out on each other" (HAIRSTON,1992, apud GOUSSEVA, 1996)
Há, porém, complicadores nessa interação, que serão alvo de atenção neste artigo.

Como exemplos desse processo, serão aqui apresentadas duas situações vividas pela autora em turmas de português para estrangeiros do curso de Português para estrangeiros ministrado na Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais), das quais ela foi professora.
O primeiro grupo era formado por três alunos, rapazes entre vinte e trinta anos, oriundos da Rússia, da Iugoslávia e da Finlândia. Ocorre que finlandeses e iugoslavos guardam grande mágoa dos russos, por conta de divergências sérias, que já desencadearam guerras entre os países. A princípio, isso se refletiu, com bastante força, na sala. O aluno russo foi rejeitado pelos outros dois, que evitavam a todo custo, às vezes ostensivamente, realizar trabalhos em sala que fossem em grupo. Fora da sala, essa relação era certamente ainda mais difícil.
Dar aulas nessa turma foi um desafio. Sem a coesão entre os alunos, havia trocas exclusivamente entre a professora e cada um dos alunos, separadamente. As aulas se tornaram, então, um espaço de discussão quase exclusiva de itens de gramática, com poucas oportunidades de trabalho para o desenvolvimento das habilidades de comunicação oral.
A solução, encontrada depois de várias experiências frustradas de aproximação dos alunos, foi desviar o foco das tentativas de discussão do campo da nacionalidade de cada um para o da individualidade. Essa prática não é usual nas aulas de PLE preparadas em manuais didáticos. Com a mudança, as nacionalidades continuaram, é certo, referências importantes, mas deixaram de ser fonte primária de comparações. Com isso, estabeleceu-se uma situação menos belicosa. Com alunos menos armados, menos na defensiva (especialmente o russo) foi possível, ao final do ano, até uma revisão mais corajosa das relações entre os países. Nesse momento os três alunos, tão diferentes e tão feridos por suas experiências traumáticas nos países de origem, avaliaram, com ajuda mútua, a situação que tinham vivido, utilizando como ponte a língua portuguesa. Nesse caso, a ação das professoras foi fundamental para transformar o estranhamento inicial em uma atitude mais positiva frente às diferenças.
No segundo exemplo, houve uma situação diversa. A turma contava com um maior número de alunos (oito) e era composta por alunos de várias nacionalidades – japonesa, iugoslava, argentina, americana, canadense e australiana. Nesse grupo as dificuldades giraram em torno do aluno australiano. Arredio e difícil, chegou a ser grosseiro, tanto com as professoras quanto com os colegas. O restante do grupo, porém, tornou-se coeso, demonstrando um interesse mútuo crescente. Isso em determinado momento isolou o australiano, mas acabou por contagiá-lo. A turma, já mais homogênea, aceitou bem até a entrada de mais dois alunos, de nacionalidades húngara e francesa, embora esse último, ainda muito cônscio das diferenças entre seu país e o do aluno americano, tenha provocado algumas situações mais difíceis. Nesse grupo, prevaleceu o espírito de que é possível olhar para a própria cultura “de fora”, através das análises dos outros que não compartilham dela.
Por causa disso, ocorrem com freqüência situações em que o professor pouco interfere: as questões surgem naturalmente e são discutidas de modo equilibrado e respeitoso. Como resultado, notou-se que esses alunos atingiram graus mais elevados de proficiência mais rapidamente que alunos de mesma nacionalidade.
Aqui fica clara a importância da integração do grupo na sala para o estímulo à aprendizagem: quanto maior for o contato entre os alunos, feito através da língua estrangeira, maior será a chance de a fossilização ocorrer apenas em estágios mais avançados de proficiência. Ao contrário, se um indivíduo se isola (casos do russo e do australiano), ele não participa das discussões; não ouve, não fala. É o que diz ELLIS (1997:40) (tradução da autora):
“A pidinização na aquisição de L2 ocorre quando os aprendizes falham em aculturar-se ao grupo da língua-alvo, ou seja, quando eles são incapazes ou não têm interesse em se adaptar a uma nova cultura.” [2][3]
Nos exemplos descritos, vemos situações em que as relações entre os alunos, com a mediação – mais ou menos explícita - dos professores, interferem nos processos de ensino/aprendizagem da língua portuguesa. Mas como fica o professor frente a essas situações?
Ser professor de uma turma multicultural pode ser um risco ou uma oportunidade. Isso vai depender, fundamentalmente, da sua relação o com trabalho. Se ele se considera sempre o dono e senhor da comunicação na sala, se assume um discurso autoritário, se pretende sempre ter a última palavra e guiar todos os passos do aluno, uma sala assim representa para ele o pior dos mundos.
O professor precisa assumir uma postura de facilitador, de mediador. Deixar de contabilizar o tempo gasto com cada intervenção do aluno para prestar atenção real ao que ele diz. Abandonar as questões retóricas e já tão gastas (Como é sua cidade? Descreva o sistema de transporte) para dedicar-se a descobrir o que de fato pode constituir motivos de interação real. E aí reside seu maior desafio. Turmas heterogêneas têm, em geral, interesses igualmente diferenciados, portanto ficar atento para o que cada aluno traz pode ser útil na identificação de seus interesses, assim como dos prováveis pontos de convergência. Atividades diferenciadas podem, em certos momentos, fazer esse efeito. Mas o que tem funcionado bastante é dar aos alunos momentos totalmente livres, se possível fora da sala de aula, e escutar atentamente sobre o que eles conversam, então. Sem a pressão de estarem sob o olhar do professor, eles vão se soltar um pouco mais e aproveitar a oportunidade para conhecerem seus colegas e seu professor.
Uma aula de língua estrangeira com essas características desnuda tanto professor quanto alunos. Como as interações são reais, e não mais criadas com propósitos meramente “gramaticais” ou “funcionais”, todos terão de estar preparados para se revelarem mais. Para tanto a confiança entre os alunos deve ser estimulada - só assim eles se sentirão mais à vontade para errar, para experimentar, para arriscar.
Alunos oriundos de sociedades que exigem altos níveis de perfeição ou de competitividade (caso de japoneses e americanos, por exemplo) irão aos poucos aprender a aceitar seus enganos e a mudar alguns de seus conceitos sobre outras culturas. Isso lhes facilitará a compreensão da cultura alvo, já que não se fará uma comparação dual – a cultura materna e a do outro, mas se procurará conhecer diferentes modos de vida, relevados por indivíduos, não por cidadãos.
O fato de se relevar ao outro é, às vezes, desconfortável tanto para o professor quanto para o aluno. Muitas vezes os problemas com preconceito dentro da sala de aula partem do modo como o professor encaminha seu discurso, preocupando-se muito em realçar as diferenças entre os alunos e dedicando-se pouco a descobrir as semelhanças. Para não correrem riscos, alguns se refugiam nas gramáticas das aulas mais tradicionais A postura de simplesmente fazer e responder a perguntas cujo conteúdo é inócuo não interfere em nenhuma crença, não altera nenhum conceito de mundo. É, portanto, território conhecido, caminho já trilhado muitas vezes. São aulas previstas e previsíveis, com um contrato confortável.
Romper com esse tipo de aula é pisar terreno desconhecido, em que cada aula pode esconder surpresas de todo tipo, que vão de perguntas provocadoras de um aluno sobre as crenças religiosas do professor até dúvidas sobre aspectos gramaticais sobre os quais o mestre jamais pensou. O professor muitas vezes é confrontado com aspectos pouco agradáveis de sua vida com cidadão e como indivíduo. Esse tipo de questionamento não ocorre com freqüência na prática profissional do professor em outras salas, mas é comum em uma sala de português como língua estrangeira. Afinal, se o professor pode fazer perguntas pessoais aos alunos, eles também podem fazê-las. Entretanto é nesse embate que professor e aluno crescem juntos, aprendendo e (re)conhecendo as culturas, próprias e do outro.
Para tanto é preciso que o professor que assume uma sala multicultural esteja preparado para não agir nem com deslumbramento nem com desprezo pelas culturas ali representadas. È importante, também que ele veja no aluno um indivíduo, com a complexidade que lhe é inerente, e não o mero suporte de uma carga cultural imutável.
ALMEIDA FILHO nos apresenta um conceito de língua que se coaduna com o que se pretendeu apresentar neste texto:

Línguas indica mais do que os sistemas lingüísticos em si mesmos, linguagem humana, discurso como forma de ação social. A línguas são as construtoras da cultura e da autoconsciência, mostrando-nos identidades de quem somos e de quem podemos ser. Dita assim no plural, línguas se referem também às experiências em novas línguas desestrangeirizadas para seus aprendentes. (ALMEIDA FILHO, 1996, p. 19)

Para terminar, gostaria de apenas de lembrar: ao lidarmos com Português língua estrangeira, não estamos tratando com estrangeiros, mas com pessoas. Enquanto nós, professores, não compreendermos isso, e não percebermos nosso próprio etnocentrismo, não estaremos preparados para lidar com as (nem tão grandes) diferenças nem para reconhecer as (muitas) semelhanças. Se o fizermos, saberemos, como bem lembra Guimarães Rosa, que o que existe, mesmo e de verdade “é o homem humano”.

Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Desestrangeirização e outros critérios no planejamento de cursos e produção de materiais de língua estrangeira. In: JÚDICE, Norimar. (Org.) O ensino de português para estrangeiros; ciclo de palestras. Niterói : UFF, 1996.

BASTOS, Rogério Lustosa. Poética e psicanálise: Artepensamento entre campo ficcional e campo psicanalítico, diferentes subjetividades. PUC/São Paulo. Tese de doutoramento em Psicologia clínica. São Paulo, 1999.

CLAVAL, Paul A geografia cultural. Florianópolis : UFSC, 1999.

ELLIS, Rod. Second Language acquisition. Oxford : Oxford University Press, 1997.

FERREIRA, Itacira. Perspectivas interculturais na aula de PLE. In: SILVEIRA, Regina Célia P. da. (Org.) Português língua estrangeira: perspectivas. São Paulo : Cortez, 1998.

FREITAS, Maria Tereza Assunção de. (org.) Narrativas de professoras: pesquisando leitura e escrita numa perspectiva sócio-histórica. Rio de Janeiro : Ravil, 1998.
HAIRSTON, Maxine. Apud GOUSSEVA, Julia. Crossing Cultural and Spatial Boundaries: A Cybercomposition Experience. The Internet TESL Journal, Vol. IV, No. 11, Novembro de 1998. Disponível em http://www.aitech.ac.jp/~iteslj/. Acesso em 20 de março de 2000.

KLEIN, Wolfang. Second Language Aquisition. Cambridge : University Press, 1986.

OMMAGIO, Alice C. Teaching Language in Context. Proficiency Instruction. Boston, 1986.

SCHLATTER, Margarette. Inimiga ou aliada? O papel da cultura no ensino da língua estrangeira. In: SIPLE, Seminário da Sociedade Internacional de Português – Língua Estrangeira. 3. Anais. Niterói : Instituto de Letras- UFF, 1996.

TROUCHE, Lygia Maria Gonçalves. O Brasil no espelho – uma construção de linguagem. In: JÚDICE, Norimar. (Org.) O ensino de português para estrangeiros; ciclo de palestras. Niterói : UFF, 1996.

WEISS, Denise Barros. Ensino do artigo em cursos de português para japoneses. Dissertação de Mestrado em Lingüística. Rio de Janeiro : Faculdade de Letras, UFRJ, 1994. 115 p. mimeo.

[1][2] “...language learners have complex social identities that can only be understood in terms of the power relations that shape social structures”
[2][3] “Pidginization in L2 acquisition results when learners fail to acculturate to the target language group, that is, when they are unable to adapt to a new culture” (ELLIS, 1997:40).

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Sejam todos muito bem vindos!!!

Olá a todos aqueles que se ocupam com o ensino de línguas. Tenhao a audácia de criar esse bolg e, com este, criar mais um pequeno e humilde espaço para trocarmos ideias - ainda não me acostumei com a nova ortografia do português - e, até certo ponto algumas "soluções" para o ensino, para a aprendizagem, para a sala de aula (língua materna e/ou língua estrangeira) e para os materiais didáticos. Não posso esquecer o professor, tão amado e odiado. É isso, aguardo as postagens de todos. Abraços! Marcos Reis